segunda-feira, junho 27, 2005

Solidão

Sabem o que é passar 24h sobre 24h sozinha? È assim o meu mundo, é assim que tenho vivido nestes ultimos meses, por isso começo a pensar que pouco assunto me resta, quando eu sei que só falamos do que nos acontece, e a mim já não me acontece nada.
Tenho um pequeno mundo só meu, nunca lá ninguém entrou, pois acredito que ninguém tem coragem ou vontade para lá ir, e eu também não deixo. Sou uma pessoa dificil, não tenho propriamente aquela postura de "puppy" que agrada a todos, sou de uma practicidade quase fria, com um sentido de humor muito próprio, com uma postura muito firme e nunca abdico do que digo, levo sempre a minha avante. Nunca tive ninguém que me conseguisse perceber e de algum modo me aceitar, as coisas que eu gosto, pouca gente gosta, entro sempre em debates acesos nos quais defendo a minha posição a ferro e a fogo, e por vezes tenho a sensação que sou demasiado teimosa. As vezes nem eu me aceito a mim mesma...
Estou só, sinto-me só, não existe remedio para isto, não existe um comprimido que eu possa tomar para que isto se altere, não posso resumir a minha vida a uma questão prática quando é muito mais do que isso, muito mais do que a vista alcança. Na sexta cheguei a casa e queria tanto falar com alguém normal, tive um dia de cão, daqueles que ninguém gosta de ter mas que impreterivelmente calha a todos, e queria naquele dia ter tido um miserável de um amigo que me abraçasse e que falasse comigo, olhei para o telemovel...desesperei, queria falar mas não conseguia, queria atenção mas não a tive, queria dizer como tinha sido o meu dia, como me tinha custado esta semana de estagio, como chorei por tentar em vão que alguém vivesse, e não tinha conseguido absolutamente nada, queria falar como eu, na minha incrivel arrogância pensava que era Deus e que conseguia de alguma forma remediar todo o mal no mundo, queria falar na minha ambição de compor o que está mal, na minha frustração de me sentir só nisto, de ninguem me entender, de não conseguir o que queria... sou enfim uma pessoa mimada, habituada a pensar que sou omnipresente e omnipotente, para depois olhar para o espelho e ver que sou mais uma rapariga simples, com crises emocionais, com acontecimentos normais, mas que está tão só...
Ninguém olha para mim, tenho corpo, figura, mas ninguém olha para mim, olham e vêm o que querem ver, nada mais além disso, sou uma imagem, nada mais do que isso...

terça-feira, junho 07, 2005

Eu no Autocarro

Vivemos dentro de uma sociedade, partilhamos de cultura, de valores, de ideias, de conceitos, juizos, preconceitos e até de esteriotipos. Dentro da nossa cultura temos muitas outras que se formam e que eu, em toda a minha paciência, revelo por vezes uma certa dificuldade em perceber. Não acredito que as minhas ideias sejam as melhores ou que a minha educação por mais rigorosa que tivesse sido fosse das melhores e que por isso me tivesse tornado numa melhor pessoa, sou assim porque me fiz assim. Isto tudo porque fico por vezes assustada com as coisas que oiço, com as coisas que vejo...
Todos os dias que vou a faculdade tenho que apanhar o autocarro, fantástico autocarro renovado que vai desde a Praça do Comercio até aos frondosos matagais da bela Damaia. Numa dessas minhas viagens, vinha eu descansada no meu lugar a ler a minha materia e não podia deixar de ouvir uma conversa paralela que decorria mesmo ao meu lado, não o podia evitar pois falavam tão alto que acho inclusive que os passageiros de um outro autocarro a poderiam escutar tão bem como eu. Eram dois rapazes, com os seus simples 14 anos a falarem de um roubo de uma bicicleta, apercebi-me logo da frutração do rapaz, a sua raiva imensurável por ter sido roubado no próprio bairro, mas isso é normal...até que de repente ele começa a dizer que a mãe lhe tinha dado dinheiro para comprar uma arma, que ele sabia quem lhe tinha roubado a "bicla", e que ia esperar no telhado por ele, que o ia matar...a frieza deste dialogo, a displicência com que este miudo fala em tirar uma vida, a estupidez de uma mãe que dá dinheiro a um filho para comprar uma arma...eu não entendo este mundo, não consigo arranjar explicações para que um rapaz queira estragar a vida dele e a de mais alguém, não consigo arranjar alguem a quem culpar por ele pensar assim, mas por outro lado começo a pensar nos poucos recursos que tem, na formação que os próprios pais lhe deram, no que apreendeu nas ruas com os outros rapazes, no que viu na televisão, ouviu nas noticias, viu acontecer a sua frente, e lembro-me por momentos que é só um menino furioso porque lhe roubaram a bicicleta, pois tão cedo não vai ter outra, pois é dificil viver neste pais onde pagamos tanto por tudo e recebemos tão pouco pelo nosso trabalho, a quem culpar? A mãe, que foi inconsequente ao lhe dar o dinheiro para a arma em vez de lhe comprar outra bicicleta? Ao rapaz por pensar desta forma? Ao amigo que lhe disse que o ajudava? Eu não sei a quem culpar, mas apetecia-me dar um estaladão a esta mãe, apetecia-me puxar-lhe as orelhas e chama-lo a razão, apetecia-me chamar a policia ou correr dali para fora agarrada a minha mala, pois não sei lidar com isto de outra forma, eu não cresci neste mundo, eu não sei como se pode ser assim, consigo compreeder a pobreza, a miséria, mas nunca vou compreender a estupidez humana.
Outra destas conversas parlelas que apanhei no autocarro foi a de duas mulheres de etnia cigana que falavam também alto e bom som, uma coisa concluí, existe muita gente a sofrer do sídrome de Tourette ( quando as pessoas falam alto demais e disparatam a toa)!!! Falava com orgulho uma delas, dizendo que a sua filha não se queixava a mãe quando o marido lhe batia, dizia com orgulho que ela tinha casado com 15 anos e que já tinha dormido na rua, numa poça de sangue, provocada pelas cargas de porrada que levava quando o marido chegava a casa, que mesmo assim não o tinha deixado, a mãe orgulhava-se pois a filha ao contrário das outras tinha permanecido calada, não tinha dito nada a ninguém, chegava a casa feita num trapo e nada dizia...Como posso eu ficar indiferente a isto, se sou mulher, se sou humana, e isto doí-me ouvir? Como pode uma mãe ficar orgulhosa pelo silêncio doloroso de uma filha que todos os dias é agredida pelo homem que jurou ama-la e respeita-la até á morte? Ele vai é dar-lhe porrada até a morte!!!! E pior, ninguém faz nada, somos um povo calmo e sereno, estas coisas não se falam na rua, não são só as mulheres ciganas que levam porrada, e as outras que se maquilham, que faltam ao trabalho pois dizem que estão doentes, que mentem ao dizer que cairam das escadas, foram contra a porta varias vezes seguidas...somos um povo de porcaria, pois podiamos ser um bocado mais humanos, podiamos ser bem menos hipócritas!! Estas coisas devem ser faladas, devem ser escutadas na primeira pessoa para acreditarmos que existem, pois eu antes não acreditava, nunca vi um homem bater numa mulher, nunca vi um rapaz falar em comprar armas e em roubar, agora, acredito. Sinto que entrei no túnel do tempo, devo me ter enganado, não era nesta época que eu devia ter saido, isto é como andar de metro e sair na estação errada, são todas iguais, mas quando se sobe a superficie...não existe Colombo!! A sensação é "merdosa", mas é real, tão real que assusta!!!
Por favor, quero voltar ao tempo em que as pessoas se tratam bem, e que se respeitam!! Digam-me qual é a estação!!!!